6 de junho de 2010

O missionário



                                     (Herculano Marcos Inglês de Sousa)
 A obra O Missionário tem início com a angústia do sacristão Macário quanto à chegada do Padre Antônio de Morais ao vilarejo de Silves. Macário tomou para si a função de diretor da recepção do novo pároco. E  se sentia importante com isso. Um homem como ele, que a vida inteira fora nada, agora recepcionava o novo padre, o reverendíssimo que substituiria padre José. Agora ele era o Ilmo Senhor Macário de Miranda Vale, as pessoas grandes falavam com ele. Estava liberto de um passado humilhante.Ia dar conselhos a sua Reverendíssima, arranjar-lhe a vida, guiá-lo, enfim, mandar no senhor vigário. Nisso, recordava-se do nada de onde saíra. Pai, não conhecera. A mãe, uma lavadeira qualquer que se unia e um sargento bruto do corpo policial de Manaus. Apanhava dos dois. Lembrava de como fora parar em Silves a mando do reitor da escola de padres para servir como “sacristão” ao finado padre José, um extravagante que passava meses no lago, tocando violão e namorando  as caboclas dos arredores...p.17. De onde sua mesa era farta e alegre, foi perfeito para o Macário. Da parte do padre e do povo, havia a mais pura desconsideração. Queria ser alguém, era vaidoso, mas não conseguia subir. O vapor da companhia do Amazonas chegara. A vila se enfeitava toda, era um acontecimento. O juiz, os vereadores, os comerciantes, todos acorriam para cumprimentar o novo padre.Macário, importante, os apresentava. A população imediatamente gostou do novo pároco,pois ficaram sabendo que Antônio de Morais escolhera ir para Silves em vez de ir para a paróquia vizinha.
O narrador, dotado de onisciência múltipla, típica da obra naturalista, agora nos apresenta e analisa o Padre Antônio de Morais, que repassa por sua mente todos os fatos e pessoas e pessoas do dia. Macário (o sacristão), Tenente Valadão (subdelegado), Capitão Manuel Mendes (coletor de rendas), João Pedreira das neves Barriga (Presidente da Câmara), José Antônio pereira (escrivão), João Carlos (vereador), Aníbal Americano Selvagem Brasileiro (professor), Joaquim da Costa e Silva (dono de um empório), etc. Apresentaram-lhe depois a igreja, um templo modesto e em decomposição. A miséria do lugar e das vestes do padre anterior eram a prova do cabal relaxamento. Detestava a idéia de usar aquelas roupas, o mesmo cálice e outros apetrechos de missa. Teve nojo. Mandaria buscar tudo de novo em Belém, capital do Grão-Pará. Almoçou na casa da câmara. Comeu sem cerimônia. Em seguida, mostraram-lhe a casa onde ficaria alojado. Em frente, morava uma tal Luisa Madeirense, que lavava e engomava pra fora, inclusive para o antigo vigário. Lembrou-se do pai, o Capitão Pedro Ribeiro de Morais, pequeno fazendeiro de igarapé-mirim, que perdera tudo que tinha em jornais. A mãe, D. Brasília, nulificada e submissa sempre estivera do seu lado. O menino crescia sem perspectiva de futuro. Por ordem do padrinho, um comandante superior, dera a idéia de mandá-lo para o seminário.
O terceiro capítulo nos apresenta o prof. Francisco Fidêncio, homem com problemas hepáticos, que vivia “amigado” com uma mulata ainda nova de nome Maria Miquelina e não fazia nada para não dar nas vistas do povo aquela mancebia. Professor de latim, “carioca da gema”, perseguia os alunos ruins e era um tipo de “ídolo” para os mais desasnados, embora “dar bons exemplos” não fosse o seu forte. Membro ativo da Maçonaria, não ia muito com a conversa dos padres. Macário, naquele dia, em alegre ansiedade, ajeitava as coisas da matriz. Acendia velas no altar, organizava os apetrechos da missa com ajuda do sineiro José do lago. Era um dia especial: Casamento de rico.Mas cada vez mais vazia.Os meninos já gazeavam as aulas de catecismo. Muitas mulheres, antes tão devotas, não queriam mais se confessar. Padre Antônio sentia aquele retraimento e andava pensativo. O casamento que haveria logo era uma boa ocasião para chamá-lo à responsabilidade. Tudo aquilo devia Sr obra do Chico Fidêrico ou, no fundo, aquela gente, principalmente os “grados”, queria mesmo era um vigário como o Padre João da Mata que, segundo diziam, morreu na Sapucaia “nos braços de uma mameluca linda como o sol”. Chegara o tempo da colheita das castanhas. Ir para os castanhais era o assunto da Cidade. Havia uma certa euforia porque nos castanhais tinha de tudo (festa, dança, comida, sexo, etc.) “tolo seria quem ficasse em silves a papar missas, quando podia fazer fortuna com o trabalho de levantar castanhas do chão” p.77. Padre Antônio estava descontente com aquilo. Tinha bolado um plano e contara-o ao sacristão. Aquela não seria uma missa comum. Celebrava-se o casamento de Cazuza Bernardinho com a sobrinha do Neves Barriga. Feita a união, entrou o padre num ouvido. Todos os mais importantes da cidade estavam ali. Até o Chico Fidêncio, escondido na entrada, ouvia o sermão e temia com o poder da oratória de Padre Antônio de Morais. À noite apenas o Macário foi à festa do casamento e lá, humilhado na sua pobreza  interior, mendigava atenção e uma xícara de chocolate. A festa foi altas horas. Compareceram, além dos país, já conhecidos, os filhos, a nova geração inútil de Silves.Totônio Bernardinho, (irmão do noivo, estudava no Pará era boêmio e , Pedrinho Sousa (amigo do Totônio). Na festa, engatou-se o namoro de D. Milu com o Totônio. Os pais não concordaram. Separados no fim da noite, o rapaz meteu-se num quarto chorando.. O Fidêncio teve a idéia de espalhar para todos que o Padre Antônio era um “acomodado”, levava uma vidinha calma em Silves, como os outros padres. Não teria jamais a coragem de pregar nas matas, de virar missionário e sair para catequizar os índios. Isso sim é que era ser padre. Seu plano deu certo. Antônio de Morais passou a avaliar a sua estada em silves. Percebia que nada fizera e que ali, principalmente, não prestaria um grande serviço à igreja. Aquela gente não precisava dele. Aquele lugar era nada diante da glória de ser missionário, como Anchieta. Nessa hora, sua ambição e sua vaidade é que falavam. Pensou em sair de silves, ser reconhecido, ser mandado para a matriz de Belém...isso! sairia em missão para catequizar índios selvagens e antropófagos de Mundurucânia,lugar mais hostil daquela região. Chamou o Macário e deu-lhe a notícia. O sacristão ficou aterrorizado, pois sabia que os mundurucus eram perigosos. Começou a cuidar da missão. Precisava arranjar remadores para a canoa (igaraté). Aos poucos, ia cuidando, mas cada vez que falava a alguém, branco ou tapuio, sobre a viagem, aos mundurucus, o indivíduo desconversava e desaparecia. Um belo dia, surgiu-lhe na igreja o jovem Totônio Bernardinho dizendo que remaria a canoa para o padre. Macário quis saber por quê. O jovem contou-lhe a sua desdita amorosa. Os pais não queriam o seu namoro com Milu. Ela nada podia fazer. Por não ver saída, então decidira morrer. Mas, como “romântico” queria morrer sem glória. Morreria fazendo algo corajoso. Morreria ajudando a igreja. Padre Antônio não aceitou. Restou ao Macário enganar dois tapuios (João e Pedro) acertando o “serviço” sem dizer para onde iriam. A missão estava cada vez mais próxima.Nos capítulos VII e VII, tem início a grande missão. Eram quatro horas da manhã quando a igaraté sumiu-se na neblina saindo de silves em direção ao Munducuru. Padre Antônio de Morais, sentado na borda da canoa , via a matriz desaparecer de longe. Adiante, o rio surgindo imenso. Três dias de viagem pelo rio Abacaxis/Guarajatuba e saiam do Paraná-mirim para entrar na Amazonas. À noite, no Corumã, encontraram o sítio do ribeirinho Guilherme e sua esposa Tereza. Antes prosseguiu com todas as dificuldades. A ração pouca, bananas e pirarucus. O padre pouco comia.. A iminência de serem atacados pelos índios ferozes aterrorizava Macário. Que decidiu fugir. Padre Antônio de Morais ajoelhou-se diante dos índios e, em agonia, olhando para o céu, esperou violento que lhe tiraria a vida. Macário contara uma história mirabolante para “Aliviar” a sua covardia de ter ocorrido e deixado o padre para trás. Conseguira fugir pelo rio. Depois, no sitio do Guilherme, onde, conseguira uma canoa e chegara a remo. Descendo o Carumã e o Sacará, chegara ileso ao porto de Silves. Mas, mentiroso como era, aumentou ainda seu heroísmo dizendo que fora aprisionado para ser devorado enquanto os índios levaram o padre para ser comido dentro da floresta.sua salvação, dizia, foi uma cutia que roera as cordas de sua mão e ele se libertara. Fugiu rapidamente, lamentando a sorte de padre Antônio. Agora estava ali, um verdadeiro herói, pois enfrentara índios ferozes, maués, mundurucus ou Parintins. Deixou desses pensamentos e foi ajudar no enterro, pois a paróquia já não tinha padre, então não podia faltar no cemitério, a um canto, Chico Fidêncio chamou o Macário e mostrou-lhe um texto que mandaria para o jornal “Democrata” reabilitando a imagem do padre Antônio de Morais e sua corajosa missão. Macário leu e concordou com letra.
No capitulo X, finalmente, temos notícias do Padre Antônio de Morais. O texto começa com mameluco Felisberto abrindo a porta do quarto e perguntando se ele estava melhor. Isso o fez tornar a si lembrar o que de fato, lhe acontecera. Lembra que,de joelhos, em prece, olhando para o céu aguardava o golpe que lhe tiraria a vida, enquanto Macário fugia pelo rio. Mas os dois índios que se aproximavam, de arma em punho, estavam apenas cortando mato para chegarem até ele, pois,assustados também, achavam que ele fosse a alma do finado padre João da Mata, vigário de Maués. Não sabia por que, mas desmaiara. Agora, recuperado, via tudo com maior lucidez. Os índios eram Felisberto  e seu avó, João pimenta . Enfim, gente simples e boa que vivia ali, na Sapucaia, escapando às privações e influência da cidade. O lugar era simplesmente maravilhoso, entre as matas e rios, justificando o isolamento do padre João da Mata naquelas profundezas selvagens. Havia também uma mameluca  chamada Clarinha, quem o padre não tinha observado direito, mas parecia muito meiga com ele e com o avô, o João Pimenta. O Felisberto dizia pelos cantos que Clarinha tinha uma “queda” por sua Revma. Isso o irritava mais ainda. Aos poucos, porém, a figura de Clarinha passava a interessá-lo, pois como podia aquela moça branca e bonita no meio daquela mata? Soube que ela era filha de Benedita, uma bela moça de vinte anos quando se relacionou com Padre João. Dessa relação nasceu Clarinha, que, bela como a mãe, passou a ser protegida pelo padre, ou melhor, pelo pai, o safado da mata, e ninguém nem imaginava...aquele romance sacrílego atraía-o poderosamente, tanto o que lhe contaram quanto o que “estava acontecer”, pois  o “inimigo do gênero humano levava-o ao desregramento da vida de Ministro de fé. Sentia um prazer estranho, uma volúpia...pensava no atrativo que prendera o padre João da mata no sítio da Sapucaia. Pensava em Clarinha, na sua beleza, nas suas formas.No dia seguinte, ao encontrar a neta do João Pimenta arrumado-lhe a cama, não se conteve e disse-lhe o que sentia. Ignorou sua metade “padre” e entregou como “homem” ao sentimento. A moça ouvi-lhe nervosa e em silêncio. Sentia o mesmo. Mas novamente o Felisberto atrapalhou-os abrindo a porta. Fez cara de cínico e saiu rindo. Depois disso, a crise de Padre Antônio passou a ser muito maior. No auge dessa excitação, foi passear na mata. Lá, encontrou a Clarinha e não se controlou. No capitulo XII, quando o Felisberto voltou de Maués trouxe consigo a pior notícia que poderia ser dada ao padre Antônio de Morais, naqueles três meses de tanto prazer. A verdade é que padre Antônio andara esquecido do mundo. Passeava sempre com Clarinha. Tomavam banho no rio, viam, juntos, o pôr-do-sol, deitavam-se na rede do alpendre com a cumplicidade do ignorante Felisberto e a indiferença do João Pimenta.. Mas aquela notícia trouxe o padre de volta à realidade. Felisberto havia encontrado em Maués o Costa e Silva, que lhe falara da morte do corajoso padre Antônio de morais na luta contra os mundurucus. Teria o Felisberto contando tudo ao Costa e Silva? Será que já sabiam em Silves da vida “prazerosa” que levava na Sapucaia.Sabia que era impossível abandonar Clarinha. Outra luta se travou entre o amor e a ambição. Agora era impossível deixá-la. Dilema terrível. Não sabia o que fazer. Cobriu o rosto com o lençol largamente, um choro de criança contrariada. E foi a própria rapariga, que estava deitada com ele, que resolveu o problema ao segredar-lhe ao ouvido:- Levas-me contigo? E assim foi feito.
            No último capítulo, dá-se o regresso. Durante três dias do mês de dezembro, debaixo de sol forte, desceram o rio Abacaxis até o sítio do Tucunduva. Eram três horas da tarde. Os quatro, Clarinha, Felisberto, João Pimenta e Padre Antônio saíram da Sapucaia como se fossem numa viagem de passeio. Lá ficara apenas a negra Faustina, cuidando do sítio. Felisberto era o mais empolgado, pois sonhava com o posto de sacristão. Clarinha era a mais feliz, pois com o intuito de levá-la para “trabalhar” para ele, e lavando-lhe a roupa e cuidando da casa, o padre conseguira convencer o avô  da menina a ir junto. Resumindo, unia-se o útil ao agradável. .Nesses pensamentos, entraram na Tucunduva, no sítio da bailarina Gertudes, e lá o padre deu de cara com o Capitão Fonseca, o coletor de impostos em pessoa. Deram-se as explicações. Soube que toda a gente da vila dera como certa a morte de Padre Antônio graças ao que lhe dissera o sacristão, único sobrevivente da “chacina”. Padre Antônio, depois de ouvir a mirabolante “história da cutia”, disse apenas que tinha sido “mais ou menos” daquele jeito. Depois de dar-lhe um jornal onde o nome de padre Antônio fora estampado como herói, Fonseca pediu que voltasse logo a Silves, pois só ele poderia salvar aquela gente da perdição. Sem muito custo, convenceu Gertrudes a hospedar Clarinha por uns tempos enquanto ele voltava de Silves para buscá-la. A menina não gostou muito, mas não havia muito que fazer. Amava-o de qualquer maneira. Faltava agora arranjar um lugar para deixar o tagarela do Felisberto, talvez em algum sítio do Paraná-mirim. Chegaria a Silves apenas com o velho índio. Seria grande o rebuliço na cidade. Logo o navio voltaria a Silves para saber das glórias de padre Antônio sendo agradado pelo Bispo Justiceiro do Grão-Pará, que lhe daria, com certeza, um importante cargo.

Questões sobre a obra O missionário

1-O protagonista da trama é:
             a- Amaro 
             b- Diogo
             c- Macário 
             d- Antonio de Moraes       
        
 2- São personagens da trama, exceto :
a- João pimenta        
b- Manuel  da Fonseca
c-  Raimundo 
d- Pedro Ribeiro de Morais   

3-  Outros escritores que pertencem a mesma escola literária de Inglês de Sousa:
a- Adolfo Caminha      
b- Domingos Olímpio,
c- Bernardo Guimarães 
d- Júlio Ribeiro

4- no trecho : “da outra banda do igarapé, vinha um cheiro forte de baunilha e de cumari, que misturando-se  à exalação das flores das laranjeiras do terreiro formava um perfume afrodisíaco que entrava pelas portas dentro e  lhe subia ao cérebro, para o embriagar e tirar-lhe o último lampejo de razão que o esclarecia na luta travada com a sua carne desejosa e virgem .”
No trecho temos a figura de linguagem chamada:
a-       metonímia
b-       metáfora
c-       sinestesia
d-       antítese

5- A moça que mexe com os sentimentos do protagonista é:
a- Rosinha         
b- Forzinha
c- Milu   
d- Clarinha

6- Analise as afirmativas a seguir:
I - o prof. Francisco Fidêncio, homem com problemas hepáticos, que vivia “amigado” com uma mulata ainda nova de nome Maria Miquelina.
II- Macário é o sacristão comilão que usa o chamado “ macavelismo”, um meio astucioso de tudo fazer e dizer sem ferir de frente as convenções e a verdade, sem desmoralizar-se e sem pecar”.
III- Felisberto e João Pimenta não aceitaram o relacionamento de Clarinha com o padre Antonio de Moraes, o que resultou na fuga dos dois do Sítio da Sapucaia.
  Estão corretas as alternativas :
a-       somente a I.
b-        somente a III
c-       A alternativa I e II
d-       Nenhuma das alternativas.

7- O narrador do romance é:
a- observador    
b-autodiegético
c-heterodiegético 
d-homodiegético

8-A jovem de quinzes anos com quem o padre passa a viver maritalmente era neta e irmã, respectivamente, de:
a)  João Pimenta e Felisberto;
b)  Bernardino e D. Dinildes;
c) Macário e Luísa madeirense;
d) Bernardino e D. Dinildes.   
9- “ Morrer pelo amor duma mulher! E morrer amado! Moço ,elegante, instruído, pertencendo a uma boa família, renunciar à vida, deixar-se apanhar estupidamente por uma tísica ou coisa que o valha , só porque o papai não consentiu no casamento com uma matutinha do Urubus, era por demais inexplicável.” P.180No trecho acima há uma crítica ao:
a) Modernismo 
b) Realismo
c) Romantismo   
d) Barroco
10-No trecho “Nos sertões do Amazonas, numa sociedade quase rudimentar, sem moral, nem educação... vivendo no meio da mais completa liberdade de costumes, sem a coação da opinião pública, sem a disciplina duma autoridade espiritual fortemente constituída... sem estímulos e sem apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacerdócio, sob a influência enervante e corruptora do isolamento e entregara-se  ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e rebaixando-se ao nível dos indivíduos que fora  chamado  a dirigir”.p.219
No trecho da obra temos exemplo do:
a) Zoomorfismo 
b) Psicologismo
c)Determinismo 
d)Detalhismo

8 de maio de 2010

O SERTANEJO

Resumo

Nos primeiros capítulos da obra “O sertanejo”, o narrador, em terceira pessoa, nos apresenta a paisagem local, em seguida , aparece o herói da trama, o jovem Arnaldo, rapaz de “vinte e um anos, rosto queimado pelo sol , um buço negro como os compridos cabelos que anelavam-se pelo pescoço” ( p.12). Como um cavaleiro dos tempos medievais, ele é um homem forte de corpo e alma, temente a Deus e a seu patrão, o Capitão mor Gonçalo Pires Campelo, e adora sua meia irmã, Flor, companheira de folguedos, como um anjo ou como a própria virgem Maria.
A narrativa inicia em 1764, em Quixeramobim, Ceará, com a descrição de um comboio do capitão mor e sua mulher D. Genoveva, retornando à fazenda “ Oiticica”, depois de uma temporada em Recife, onde conheceram Marcos Fragoso, jovem que ficou interessado em Flor.
Flor estava um pouco afastada do grupo no retorno à fazenda, observa que um incêndio alastra-se pela floresta, fica apavorada e desmaia. Neste momento, aparece Arnaldo que a socorre. Chegando em casa, já acordada do susto, ela não sabe explicar quem a salvou .O capitão Gonçalo manda seus empregados descobrirem quem foi o culpado pelo incêndio. A culpa cai sobre Jó, um velho solitário, que vivia numa cabana próximo à fazenda. O fogo começou perto da moradia dele, mas Arnaldo, sabendo quem foi o verdadeiro culpado, esconde o velho numa caverna para que o capitão não o encontre.Vai atrás de Aleixo Vargas, conhecido como Moirão, para prestar contas do ocorrido. Aleixo explica ao sertanejo os motivos que o fizeram tomar esta atitude, diz que Gonçalo o humilhou e como forma de vingar-se dele resolveu ocasionar o incêndio. Aleixo é proibido de pôr os pés na fazenda, caso desobedecesse, pagaria com a própria vida, alertou o sertanejo.
Flor vai até a casa de Justa, mãe de Arnaldo, e entrega-lhe um rosário de presente. Durante a conversa delas, o leitor percebe o mistério que envolve Arnaldo. No mesmo dia que ele nasceu, aparece um relicário vermelho em seu pescoço e Justa não sabe quem o colocou.Daí passa a acreditar que o filho está protegido de todos os perigos. Realmente o sertanejo não teme nada , nem a ninguém, pois enfrenta todos os perigos, inclusive um tigre que aparece na fazenda causando medo em todos, menos nele, que puxou a fera pela orelha. Entretanto, Arnaldo tem um comportamento indomável,pois não obedece a seu patrão. Numa conversa entre eles, declara que não está nos seus planos o casamento, sua vontade é estar sempre ao serviço de Gonçalo e sua família , o capitão não esconde sua irritação, pois havia adotado Alina para ser a futura esposa de Arnaldo.
Aparece um futuro pretendente para Flor. Trata-se de Marcos Fragoso, moço que veio de Recife e mora na fazenda vizinha. De passagem com seus empregados pela Oiticica, Marcos inclina-se cortejando Flor com o chapéu. Arnaldo observa tudo e quando a cavalgada vai embora, sente uma profunda tristeza como nunca sentira, pois começa a ver a presença de um suposto rival. O desejo do sertanejo de ter Flor somente para ele começa a desabar e declara firmemente: “Flor não pertencerá a nenhum homem na terra .Ainda que seja à custa da minha salvação eterna. (p.84) .Triste, desabafa com o velho Jó o motivo da tristeza: - Quiseram roubar-me o que mais amo neste mundo.(p.86) . Fazendo referência a uma mulher, no caso, Flor.
Desaparece da fazenda a Bonina, a novilha preferida de Flor, Arnaldo traz o animal de volta e a moça agradecida dá uma bolsa para ele, contudo, ele dá pouca importância ao presente e atira ao fogo , depois fala de forma ríspida: - Pague aos seus criados! (p.106).Ela vai embora dizendo que ele não merecia o presente.

Segunda parte

Marcos Fragoso procurando cada vez mais aproximar-se de sua pretendida, convida Gonçalo para uma montaria. Na conversa com o primo, Fragoso confessa que não será fácil o capitão conceder a mão de Flor, visto que é um homem arrogante e autoritário. Dourado, um boi famoso nos arredores pela dificuldade de domá-lo, é o centro da conversa entre os vaqueiros,pois nem o mais famoso campeador Louredo, pai de Arnaldo, conseguiu esta proeza. A fim de se exibir para os convidados Marcos Fragoso, muito orgulhoso, diz que pegará o boi para oferecê-lo no almoço, no entanto, o único que consegue esta façanha é Arnaldo.Quando esteve de cara com Dourado, resolveu não matá-lo, mas o marcou com ferro que pertencia a Flor, para que ficasse registrado seu ato heróico.
Marcos combina com seu empregado, Luís Onofre,um plano para seqüestrar Flor, caso o capitão não conceda a mão dela Ao realizar o desejado pedido, o capitão responde: - O capitão –mor só tem uma palavra. Disse não, é não.
E Marcos retribui : - Pois saiba Vossa Senhoria que eu , Marcos Fragoso, também só tenho uma vontade e irrevogável. Jurei que sua filha seria minha mulher e com o favor de Deus , ela há de sê-lo. ( p.151)
Arnaldo sabendo dos planos de Fragoso, pede ajuda ao velho Jó para livrar Flor da armadilha. Chegando ao local onde Onofre e sua comitiva estavam, espera o momento de entrar em ação.Os encontra adormecidos, pois Jô pôs uma mistura de ervas na bebida deles.Ele os amarra para impedir que escapem e assim o plano de Fragoso não teve sucesso.
No capítulo X, ainda da segunda parte, há o recurso da flashback,ou seja, a volta ao passado, para que o leitor saiba como foi a convivência durante a infância e adolescência de Arnaldo e Flor. Criados como irmãos, junto com mais dois jovens : Jaime, sobrinho do capitão e Alina, moça pobre e órfã.Quando relembra esta fase da sua vida ao lado de Arnaldo, Flor interroga-se acerca dos seus sentimentos, pois ela, filha do capitão não podia se envolver com um agregado da fazenda: “ Arnaldo a seguira com os olhos cheios d’alma. A donzela ao voltar-se o avistara, mas desviou dele a vista, sem a menor perturbação ou sobressalto, com uma indiferença plácida e fria, que transpassou o coração do sertanejo. (p.184)
O capitão prevendo as possíveis ações de Marcos Fragoso para ficar com Flor, arranja um noivo para ela. O escolhido foi Leandro Barbalho, sobrinho do capitão. Flor concorda com a decisão paterna O capitão escreve uma carta ao sobrinho pedindo que ele compareça o mais rápido possível à fazenda.
Chegaram à Oiticica, dois viajantes, uma dama a cavalo, acompanhada de um velho a pé. Os dois se apresentam ao capitão- mor e pedem hospedagem. A mulher chamava-se Águeda, disse que era viúva e seu marido fora assassinado por defender o capitão das maledicências.Depois de ser acolhida na casa de Campelo, Águeda se insinua para Arnaldo, percebe também o interesse dele pela filha do patrão. Convida-o para ir ao seus aposentos, quando ele entra , não perde tempo e tenta conseguir um beijo dele,Tomado de terror, ele a repele e sai do quarto.Na verdade os planos de Águeda são outros, seu verdadeiro nome é Rosinha. Veio a serviço de Marcos Fragoso para seqüestrar Flor. Graças a vigilância atenta de Arnaldo, o plano falhou.
Marcos Fragoso, numa última tentativa “amigável”, envia uma carta ao capitão , mantendo o mesmo pedido de casamento, a resposta permaneceu negativa Furioso com a situação, Marcos pretende invadir a fazenda Oiticica e levar a moça a força. Já havia chegado Leandro Barbalho, que veio para conhecer a noiva e fazer a vontade do tio.Arnaldo não simpatiza com ele , mas sabe que Barbalho não ama Flor . Ele , Jó e alguns índios se preparam para defender o capitão e sua família.Padre Teles dá início a cerimônia. Marcos ataca com seus homens, mas não contava que o capitão tivesse a ajuda dos índios. Leandro é atingido por uma flecha, que possivelmente foi lançada por Jó, a pedido de Arnaldo.O combate aumenta, mas Marcos, vendo que não ia conseguir o que pretendia, sai em retirada.
O capitão satisfeito com a harmonia restaurada na sua casa.Dá ao sertanejo o direito de usar seu sobrenome e ainda acrescenta que concederá qualquer pedido que o vaqueiro quiser.O leitor, é claro, pensa que ele pedirá a mão da mulher que ama em casamento, no entanto, ele pede a mão de Alina para Agrela, capataz da fazenda que ajudou na luta contra o Fragoso.
Depois disso, Flor fica muito triste pois passa a acreditar que Deus não quer que ela case com ninguém. Já Arnaldo fica contente porque continuará sendo seu herói e eterno admirador.
Na conclusão o narrador deixa o leitor com muitos questionamentos, entre eles qual o fim de Leandro Barbalho, já que não encontraram o corpo dele? E o que realmente Flor sente por Arnaldo? O velho Jó e o mistério acerca do seu passado , como assim vemos no desfecho: “ E aqui termina a história a que dei o título O sertanejo. O mistério que envolve o passado de Jô só depois veio a revelar-se e como esses acontecimentos, prendem-se intimamente a vida de Arnaldo, guardo-me para referi-los mais tarde, quando escrever o fim do destemido sertanejo, cujas proezas foram por muitos anos, naqueles gerais, o entretenimento dos vaqueiros nos longos serões passados ao relento, durante as noites de inverno”. (p.232)

Atividade

1-A obra o sertanejo pertence a qual escola literária ?
A) Modernismo
b) Realismo
c) Naturalismo
d) Romantismo

2-O personagem principal da trama é:
a) Agrela
b ) Jó
c) Manuel Canho
d) Arnaldo Campelo

3- Qual a classificação deste romance ?
A) Indianista
B) histórico
c) regionalista
d) Urbano

4- Além de José de Alencar , marque outros autores que fizeram parte da mesma escola literária que o autor deste romance:

a) Domingos Olímpio e Adolfo Caminha
b) Graciliano Ramos e Jorge Amado
c) Francklin Távora e Bernardo Gumarães
d) Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis.

5- Que características da escola literária não encontramos na obra O sertanejo:

A) idealização da mulher .
B) Culto à natureza
C) A religiosidade
D) O determinismo

6- leia o trecho abaixo:

“Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flor, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa. Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolico de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flor volvia pelo aposento. Naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite. Um doce sussurro,como da abelha ao seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela.

Que característica do Romantismo observa-se no trecho acima?


Apresente os personagens da obra O sertanejo:

D. Genoveva _________________________
Justa _________________________
Marcos Fragoso ________________________________
Leandro Barbalho _____________________________
Alina ________________________________________
Gonçalo Campelo ___________________________________


O MISSIONÁRIO

RESUMO

Inglês de Sousa

CAPÍTULO I

A narrativa começa com a chegada do Padre Antônio de Morais ao pequeno povoado de Silves, no Pará. Ali é recepcionado pelo sacristão Macário (Macário de Miranda Vale), um janota, um boa vida que fora criado pelo antigo pároco da localidade, o Padre José, um homem mulherengo e dissoluto, “um pândego! que passava meses nos lagos, tocando violão e namorando as mulatas e as caboclas dos arredores, e gastava em bons-bocados as missas, os enterros e os batizados da freguesia”. Macário, quando criança, foi retirado de seus pais, uma lavadeira amigada de um sargento que o agredia. E foi levado de Manaus para Silves sob os cuidados do Padre José.

CAPÍTULO II
O novo pároco, “com muita cerimônia, e na intenção de informar a S. Rev.ma, em poucas palavras, das distintas qualidades daqueles cavaleiros” (observe-se a ironia), foi apresentado ao moradores da vila:

“— O tenente Valadão, subdelegado de polícia, muito boa pessoa, incapaz de matar um carapanã.
— O senhor capitão Manoel Mendes da Fonseca, coletor das rendas gerais e provinciais, negociante importante, traz aviamentos de contos de réis.
— O senhor presidente da Câmara, alferes José Pedreira das Neves Barriga, que alugou a casa a S. Rev.ma.
— O escrivão da coletoria, Sr. José Antônio Pereira, moço de muito bons costumes.
— O senhor vereador João Carlos, íntimo do senhor capitão Fonseca.
— O Sr. Aníbal Americano Selvagem Brasileiro, professor régio, inteligente e sério.
— O Sr. Joaquim da Costa e Silva, que tem uma boa loja à rua do Porto, e faz o comércio de regatão, mais por divertimento do que por necessidade.
— O Sr. Antônio Regalado, o Sr. Francisco Ferreira, uma chusma, de que se destacava um sujeito de cara redonda.
— O Sr. Pedro Guimarães, eleitor. O povo o chama “o Mapa-Múndi.”

Após as apresentações e cortesias sociais, quando ficou só, Padre Antônio relembra seu passado, no sítio das Laranjeiras, onde o pai, um homem rude e mulherengo, “o capitão Pedro Ribeiro de Morais, pequeno fazendeiro de Igarapé-mirim”, o deixou “crescer a seu gosto, sem cuidar um só instante em o instruir e educar”, tendo sido a mãe, D. Brasília, que lhe ensinou as primeiras leituras, “sempre às escondidas do marido, que não gostava que aperreassem a criança”. O jovem foi enviado ao seminário por força do padrinho para receber uma educação conveniente.
Relembra ainda sua vida de seminarista. Era um jovem de comportamento arredio, que se indispôs com os colegas de classe. Por isso, opta por isolar-se, mas demonstra muita inteligência e impetuosidade, ao ponto de debater questões filosóficas e teológicas de nível elevado com o professor, o afamado padre Azevedo, o maior teólogo do Grão-Pará. Essas discussões acalouradas resultaram em castigo para o seminarista rebelde por defender heresias. Após as punições do reitor, Antônio de Moraes acabou voltando para o seio da ortodoxia católica. Foi uma crise que, apesar de passageira, repetir-se-á ao longo do enredo, um recorrência do espírito agitado do jovem sertanejo.

CAPÍTULO III
Mas, na vila de Silves, nem tudo era reverência e admiração para o padre recém-chegado. Ali ele tem um inimigo feroz, inteligente e sarcástico. Trata-se do professor de latim Francisco Fidêncio Nunes, um inimigo declarado de padres e bispos. Chico Fidêncio era o correspondente do jornal ODemocrata, “órgão público, noticioso, comercial, científico e independente “ de Manaus.
Contraditoriamente, apesar de anticlerical e maçom, era irmão do santíssimo e fazia questão de acompanhar as procissões católicas da vila. Vivia amigado com sua caseira, a Maria Miquelina. Chico Fidêncio, um literato bem instruído, era natural do Rio de Janeiro. Passou por vários empregos até assumir uma cátedra no magistério de Belém. Porém perdeu o emprego público por ocasião da questão religiosa do Império, por ser maçom. Um amigo, o comerciante português Filipe do Ver-o-peso, foi quem lhe arranjou o emprego de mestre-escola em Silves, onde se acomodou à vida pacata do lugar.
Foi a escrita ferina de Chico Fidêncio, com seus artigos panfletários e caluniosos, que desmoralizou o falecido vigário Padre José, acusando-o de mulherengo, dissoluto e gastador dos recursos da igreja. Este, por sua vez, contra-atacava, acusando Chico Fidêncio de gatuno e de ter pecado “contra a natureza”.
Agora, o grande problema de Chico Fidêncio, o Voltaire de Silves, era não conseguir encontrar uma mácula, um deslize moral, no comportamento de Padre Antônio de Morais, um pároco impoluto e exemplar. “O tal padrezinho ou é um santo ou um refinadíssimo hipócrita.”, pensava.

CAPITULO IV
Em época de colheita de castanhas, “que naquele ano estava dando um dinheirão”, a maioria dos moradores de Silves abandonava a vila e embrenhava-se no mato para colher a preciosa mercadoria.
Tal movimento migratório em busca de riqueza era incentivado pelo liberal Francisco Fidêncio, o jornalista anticlerical. Já o Padre Antônio de Moraes começava a ficar preocupado com esse êxodo geral do povo, pois isso representava um abandono da fé. Mas o coletor local, o capitão Fonseca, dizia que “a religião não produz castanhas, e sem castanhas não há impostos”.
Para lutar contra a indiferença religiosa, Padre Antônio de Moraes planeja, junto com Macário, um belo discurso durante a missa dominical que iria celebrar o casamento do Cazuza Bernardino com a sobrinha do Neves Barriga, presidente da Câmara Municipal.
Foi aí que o...
“padre Antônio de Morais... trovejou contra a falta de devoção do povo de Silves, condenando, numa eloqüência cálida e correta, o amor do lucro que o levava a abandonar pelos negócios o caminho da salvação, em tão boa hora começado, e desfiou um longo rosário de argumentos colhidos em Doutores da Igreja. Levantando o gesto, e dando à voz entoações lúgubres, carregando os supercílios e apertando os olhos, os belos olhos pretos, para não ver o quadro horrendo que descrevia aos ouvintes atônitos e surpresos, fez uma pintura viva e colorida das torturas preparadas na outra vida para os que nesta se descuidam de Deus por amor do mundo. S. Rev.ma mostrou nada haver de mais contrário ao ensinamento cristão, às eternas verdades da Lei, do que essa ardente preocupação pelos bens terrenos que levava as suas ovelhas queridas a abandonarem o serviço do Senhor, para irem, na sôfrega ambição de ganhar dinheiro, perverter a alma no ermo dos castanhais, onde todos os anos se reproduziam cenas muito pouco dignas de gente católica, apostólica e romana.”
As pessoas que estavam na missa ficaram pasmas de medo. “O povo ficou transido de susto, ao ouvir falar de repente na escura e misteriosa região em que não penetra a esperança”. O discurso do Padre foi um sucesso.
Após o discurso moralizante e aterrorizador do Padre Antônio de Moraes, todos se dirigiram para a festa de casamento, que estava animada e tinha fartura. Ali começou um namoro entre o Totônio Bernardino, filho do patrono da festa, e a Milu, a sobrinha do Neves Barriga. Esse amor avassalador e repentino entre os dois adolescentes não foi aceito pelo pai do jovem, Bernardino Santana, e acabou em tragédia com a morte prematura de Totônio, que “faleceu de amor”, numa alusão crítica ao Romantismo. A comilança desenfreada dos convidados dos noivos também é objeto de crítica irônica do narrador.

CAPITULO V
Chico Fidêncio, fiel à sua ideologia anticlerical, não dava trégua ao novo pároco. Por isso, ao tomar conhecimento, através do jornal Baixo Amazonas, de Santarém, de que “índios mundurucus ferozes atacaram a pequena povoação de S. Tomé, incendiando as casas, e matando muitos moradores”, desafiou o Padre Antônio a catequizá-los.
Avaliando sua vida monótona e medíocre de pároco de interior, o reverendo de Silves começou a pensar seriamente no desafio do anti-religioso Chico Fidêncio.

CAPITULO VI
Após uma longa noite de sono, Padre Antônio, depois de meditar muito, decidiu pela catequese dos selvagens mundurucus, aceitando, com orgulho evangélico, o desafio zombeteiro do “ateu” Chico Fidêncio.
“— Sabes que estou decidido a fazer uma missão ao porto dos Mundurucus?”, disse para o sacristão Macário, que ficou desconsolado, pois essa resolução sublime representava o fim de sua vida mesquinha de bonança e regalias. S. Rev.ma estava decidido a “converter os selvagens, trazê-los ao seio da religião católica, e ao mesmo tempo libertar o Amazonas dessa terrível praga de índios bravos que lhe entorpecia o progresso”. E sonhou ainda com as glórias junto ao alto clero de Belém pelo desprendimento católico e pelo feito magnífico da catequese de selvagens. Essa empresa evangelizadora o colocaria à altura de um Francisco Xavier e de um José de Anchieta.
Numa passagem de magnífico humor, neste capítulo, o autor, Inglês de Sousa, relata o “maquiavelismo” do sacristão Macário para obstruir o empreendimento evangélico do Padre Antônio de Moraes:
“— Patrício, você quer levar o senhor vigário ao porto dos Mundurucus?
— Uai! onde é isso?
— O porto dos Mundurucus é lá no fim do mundo, nem eu mesmo sei, explicava Macário. É lá uma coisa que se meteu na cabeça do senhor vigário. Quer ir por força à terra dos gentios que comem gente, para servir a Nosso Senhor Jesus Cristo!
O tapuio que isso ouvia, dava de andar para longe, silenciosa e apressadamente, receando que o obrigassem a pegar no remo. E Macário, mostrando muito desânimo, ia dizer ao vigário:
— Saberá V. Rev.ma que não é possível obter remeiros.”
Ainda neste capítulo, assenta-se uma crítica ao amor romântico do personagem Totônio Bernardino, que, vivendo uma paixão impossível (pela Milu), quer morrer pela religião, levando o padre e o sacristão ao encontro dos índios selvagens, uma vez que ele, Totônio, não pode morrer pela pátria, numa guerra nacional, nem tem coragem de morrer de amor (numa alusão à moda suicida do Romantismo, ainda em voga quando da publicação da obra, 1888).

CAPITULO VII
Por fim, apesar dos obstáculos e tramas de Macário para retardar os sonhos evangelizados de Padre Antônio de Moraes, eles partem numa igarité (canoa) para catequizar os selvagens mundurucus. Durante a viagem, o reverendo lembra-se com saudade de sua ida para o seminário, anos atrás, deixando a “vida livre de campônio desocupado” na fazenda dos pais.
Macário arranjara dois rapazes do Urubus, um arraial vizinho: Pedro, o mais velho, e João, o mais magro, escondendo deles o destino da viagem, “dizendo que se tratava de ir à boca do Guaranatuba”. Os remadores não sabiam que estavam a caminho do Porto dos Mundurucus, os índios selvagens que devoravam seres humanos.
Macário contava com a desistência de Padre Antônio de Moraes, quando começassem os inconvenientes e sofrimentos de uma viagem tão longa e perigosa. Caso contrário, o sacristão lançaria mão de seu providencial “maquiavelismo” dizendo para os remadores:“ — Vamos, rapazes, remem!
Pouco nos falta para chegarmos ao porto dos Mundurucus. E devemos lá chegar quanto antes. Quem sabe se algum cristão não está lá à nossa espera para o salvarmos de ser comido pelos gentios?”Já o Padre sonhava em martírios pela fé, almejando tornar-se um “Francisco Xavier das florestas amazônicas.” Os remadores percebem que a tripulação viajava rumo às aldeias mundurucus e pedem para atracarem num sítio próximo. Ali são recebidos por uma tapuia de nome Teresa, que lhes dá abrigo até que o marido, Guilherme, que estava ausente devido à salga do pirarucu no furo de Uraná, voltasse.
Durante a noite, os remadores fogem “na igarité de padre Antônio, levando-lhe a roupa, as previsões, tudo”. Mas Padre Antônio não desiste. Alucinado com a missão evangelizadora, que lhe traria muita honra e distinção apostólica junto ao alto clero na capital do Pará, compra da tapuia Teresa uma pequena canoa, recém calafetada, e dois remos e segue viagem com Macário. O sacristão, subserviente e covarde, resistiu inutilmente em prosseguir viagem tão arriscada e perigosa, mas em vão. A vontade do padre era-lhe superior.

CAPITULO VIII
Os dois seguiram rio Canumã acima. A paisagem do Amazonas era exuberante, chegando a embotar a razão dos dois remadores.
“Os sabiás, os corrupiões, os diversos trovadores das selvas amazônicas recolhiam-se à frescura do arvoredo para a modulação dos trenos amorosos no mistério das folhagens. Os macacos, preguiçosos e sonolentos, internavam-se no mato em busca de algum regato cristalino ou, saciados de castanhas, balançavam-se pachorrentamente em delgados cipós. As próprias ciganas arrastavam o grasnar desagradável, como vencidas do cansaço e do silêncio, que lhes não permitia a índole barulhenta e irrequieta. Os peixes tardavam em vir à tona da água, ou boiavam sem ruído, para não interromper a calada do dia. Era intenso o calor.”
Padre Antônio de Moraes continuava “delirantemente” decidido a prossseguir com sua grandiosa e sublime missão catequética. Já o Macário estava inconsolável. Resmungava. “Aquilo já passava de caçoada!” Queria rebelar-se, mas não tinha a força de caráter para tanto, pois era um acólito fraco e subserviente.
Com a chegada da noite, o barco parou numa ribanceira para os dois remadores dormirem, o que não conseguiram fazer por força de uma multidão de insetos (carapanãs, muriçocas e piuns) que lhes furava a pele e lhes chupava o sangue. Foi uma noite infernal. Macário estava enlouquecido de raiva.
Padre Antônio começava a duvidar da correção de sua empresa evangelizadora. “O calor ocasionado pelo afluxo do sangue ao rosto, o cansaço, a insônia forçada, o silêncio da noite e o cheiro sensual da floresta, trazido por uma brisa refrigerante, perturbando-lhe o cérebro desequilibrado, lançavam-no numa espécie de alienação mental, no puro subjetivismo dos mártires e dos loucos...!”
Pela manhã do dia seguinte, o padre e o sacristão voltaram a remar rio acima sob forte chuva, uma verdadeira tempestade. Veio a noite e novos terríveis sofrimentos desta vez sob um chuvisco persistente.
Pela manhã, avistaram um ubá (canoa), tripulada por três índios, subindo o rio na margem oposta. Padre Antônio gritou para eles: “— Bom-dia, patrícios!” Receberam em resposta flechadas. Eram mundurucus. Trataram de fugir e esconder-se num matagal próximo. De repente, apareceram dois índios rompendo o mato com facão...
Macário desapareceu em desabalada carreira.
Já o Padre Antônio...
“Padre Antônio caiu de joelhos sobre a relva ainda úmida das chuvas da véspera, e, juntando as mãos numa agonia, ergueu os olhos para o céu, num olhar em que pôs toda a sua alma, e aguardou silencioso o golpe que o devia prostrar para sempre.”

CAPITULO IX
Neste capítulo, a título de suspense, o autor retorna a narrativa para a vila de Silves, onde já se encontra o sacristão Macário, cuidando do rebanho de Padre Antônio de Moraes, na ausência deste.
Macário escapara da morte por ocasião do ataque, que ele pensava ser de índios mundurucus, saltando na canoa e remando até o sítio da tapuia Teresa, deixando o Padre Antônio de Moraes para trás.
“— Se ficasse éramos dois a morrer, morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho; ou, por outra, morra padre Antônio que estava morto por isso.”
Só que a história que o sacristão contou para os moradores da vila Silves foi outra, bem diferente:
“Fugindo a um ubá selvagem, que os perseguira por duas horas, numa terrível porfia de remos, sob uma nuvem de flechas, tinham ido ele e o senhor vigário abrigar-se num mato cerrado, esperando que os gentios lhes perdessem a pista. Mal se tinham julgado a salvo dos índios do ubá, foram agredidos por um bando de parintintins; que ali se achavam, naturalmente para dar caça aos mundurucus do ubá. Logo ao primeiro golpe os parintintins atiraram ao chão o ardente missionário que se preparava para lhes fazer um discurso evangélico. Então ele, Macário, vendo o seu protetor e amigo, o arrimo da sua vida, o esteio da religião e da moral, banhado em sangue, perdera a noção do número e da força, e num esforço desesperado e louco — confessava-o — investira com os selvagens, armado de remo, e disposto a morrer, vingando o companheiro. Mas o gentio lá de si para si pensou que um homem tão valente como o Macário se mostrava não devia morrer sem as habituais cerimônias selvagens. Macário fora agarrado e amarrado a um castanheiro. Depois os índios retiraram-se muito alegres para o interior da floresta, levando em charola o corpo do missionário para lhe servir de prato de resistência nos seus horríveis festins noturnos. O sacristão ficara por muitas horas atado ao castanheiro, esperando a cada momento ser, como S. Sebastião, convertido em paliteiro, pelas flechas dos parintintins. Mas ao que lhe parecera, ao partirem aqueles selvagens levando o corpo de padre Antônio, avistaram os mundurucus do ubá, e trataram de os apanhar numa cilada, esquecendo o pobre prisioneiro branco. Ou seria outro o motivo da demora que permitira à Providência Divina, a rogo de Nossa Senhora do Carmo e do Senhor S. Macário, realizar em favor do sacristão de Silves um grande e verdadeiro milagre. A embira com que os índios lhe haviam amarrado os pés era muito verde. Uma cutia, que por ali passara, sentira o apetite aguçado pelo cheiro vegetal da fibra tirada de fresco, e a roera de tal sorte que com um pequeno esforço Macário pudera libertar os pés. Conseguira livrar depois as mãos, esfregando com força a embira na aresta duma pedra grande que ali estava, a modo que de propósito, e correra para o porto. Os mundurucus do ubá haviam passado, sem dar pela montaria oculta entre as canaranas. Macário tratara de navegar para o lago Canumã, com um grande pesar de não ter apanhado a cutia, que se fora embora, apenas concluída a tarefa de que parecia incumbida. Era ou não era uma obra asseada aquela história da guerra dos parintintins com os mundurucus e da cutia mandada por Nossa Senhora do Carmo?”
Macário, elevado à categoria de herói, administra agora os preparativos para o enterro do jovem Totônio Bernardino, que morreu de amor, numa explícita crítica ao Romantismo.
E agora Chico Fidêncio, crente na história inverídica de Macário, é um admirador do suposto falecido Padre Antônio de Moraes, sobre o qual escreve um artigo elogioso:
“Padre Antônio de Morais era um desses raros exemplos de abnegação e culto do Evangelho. Era um soldado da idéia (antiquada!) que soube morrer no seu posto, e que deve servir de modelo aos carcamanos que nos mandam de Roma.”
Já o capitão Manuel Mendes da Fonseca perde o rendoso cargo de coletor para seu substituto, o escrivão José Antônio Pereira, devido a uma trapaça administrativa deste que se aproveita da mudança de poder político no Pará, durante a questão religiosa. O poder saíra das mãos dos maçons para as mãos dos católicos. O capitão Mendes da Fonseca culpa também sua mulher, D. Cirila, que insistiu para que ele tirasse licença do cargo para a família ir para as praias apanhar castanhas, deixando, assim, o cargo nas mãos do substituto oportunista. “A vila retomara o seu aspecto normal.”

CAPITULO X
Enquanto o Macário vive as glórias do retorno milagroso à vila Silves, Padre Antônio de Moraes, no capítulo anterior, não fora atacado por selvagens mundurucus. Aqueles dois homens de facões às mãos eram João Pimenta, velho mundurucu convertido ao Catolicismo, e seu neto, Felisberto, moradores do sítio furo da Sapucaia, nos sertões do Guaranatuba, que procuravam pelo padre e pelo sacristão.
Padre Antônio perdera os sentido quando da abordagem dos dois sertanejos e fora levado para aquele local paradisíaco, o sítio furo da Sapucaia, refúgio do falecido padre João da Mata, que ali viveu maritalmente com a linda mameluca Benedita, com a qual teve uma filha de nome Clarinha, que também morava ali com o avô, João Pimenta, o Jiquitaia, e o irmão, Felisberto, que resgataram o padre.
Padre Antônio de Moraes, que a princípio repudiara a moça, apaixona-se por Clarinha, a bela sertaneja, filha do amor “pecaminoso” entre o Padre João da Mata e a mameluca Benedita.

CAPITULO XI
Padre Antônio de Moraes ainda pensava em catequizar os selvagens mundurucus. Mas um sentimento mais forte apodera-se de seu corpo e de sua alma: o amor por Clarinha, a bela mameluca que se entrega totalmente ao jovem padre idealista.
O missionário vive um conflito espiritual intenso e perturbador. Aqui, neste capítulo, as características do romance naturalista estão mais bem explicitadas:
“Sufocaria aquele insensato amor, aquela paixão criminosa, embora ela tivesse de reduzir-lhe o coração a cinzas. Morreria desesperado e louco, mas não ofenderia a pobre menina, confiante e carinhosa, falando-lhe dum sentimento que a moral e a religião repeliam, e que ela não poderia aceitar sem perder a alma pura e inocente. Entretanto, ao passo que assim pensava, uma agitação extrema o perturbava, como se tivesse diante de si um tesouro inapreciável a que bastasse estender a mão para o possuir. O vento de virtude que perpassara pelo seu cérebro exaltado abalara-o profundamente, e inconscientemente, sem saber o que fazia, torturado por uma angústia, começou a falar, doce e convincente, com uma tristeza infinita na voz, mal percebendo o efeito das suas palavras sobre a rapariga, que a princípio se voltara surpresa e, depois, se deixara ficar sentada na cama, ouvindo-o de olhos baixos, com os braços caídos, inertes, para o chão.”
Mas o missionário não resistiu. A sensualidade falou mais alto do que a razão religiosa. A carne do sertanejo foi mais fraca do que o espírito do clérigo. E então...
“Então ele, saindo de uma luta suprema, silencioso, com um frio mortal no coração, com o cérebro despedaçado por um turbilhão de sentimentos contrários, atirou-se à moça, agarrou-a pela cintura e mordeu-lhe o lábio inferior numa carícia brutal. Foi breve a luta. A neta de João Pimenta caiu exausta sobre o tapete de folhas úmidas do orvalho, douradas pelo sol. Entre os ramos dos cacaueiros os passarinhos sensuais cantavam.”

CAPITULO XII
Enquanto o Padre Antônio de Moraes vivia seu amor com Clarinha, a primeiro e única paixão de sua vida.
“Entregara-se, corpo e alma, à sedução da linda rapariga que lhe ocupara o coração. A sua natureza ardente e apaixonada, extremamente sensual, mal contida até então pela disciplina do Seminário e pelo ascetismo que lhe dera a crença na sua predestinação, quisera saciar-se do gozo por muito tempo desejado, e sempre impedido. Não seria filho de Pedro Ribeiro de Morais, o devasso fazendeiro do Igarapé-mirim, se o seu cérebro não fosse dominado por instintos egoísticos, que a privação de prazeres açulava e que uma educação superficial não soubera subjugar. E como os senhores padres do Seminário haviam pretendido destruir ou, ao menos, regular e conter a ação determinante da hereditariedade psico-fisiológica sobre o cérebro do seminarista? Dando-lhe uma grande cultura de espírito, mas sob um ponto de vista acanhado e restrito, que lhe excitara o instinto da própria conservação, o interesse individual, pondo-lhe diante dos olhos, como supremo bem, a salvação da alma, e como meio único, o cuidado dessa mesma salvação. Que acontecera? No momento dado, impotente o freio moral para conter a rebelião dos apetites, o instinto mais forte, o menos nobre, assenhoreara-se daquele temperamento de matuto, disfarçado em padre de S. Suplício.
Em outras circunstâncias, colocado em meio diverso, talvez que padre Antônio de Morais viesse a ser um santo, no sentido puramente católico da palavra, talvez que viesse a realizar a aspiração da sua mocidade, deslumbrando o mundo com o fulgor das suas virtudes ascéticas e dos seus sacrifícios inauditos. Mas nos sertões do Amazonas, numa sociedade quase rudimentar, sem moral, sem
educação... vivendo no meio da mais completa liberdade de costumes, sem a coação da opinião pública, sem a disciplina duma autoridade espiritual fortemente constituída... sem estímulos e sem apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacerdócio, sob a influência enervante e corruptora do isolamento, e entregara-se ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e rebaixando-se ao nível dos indivíduos que fora chamado a dirigir.”
Nesse ínterim, Felisberto, irmão da moça, travara conversa no povoado de Maués com um comerciante de vila Silves, o Costa e Silva, o qual pensava estar morto o vigário de sua paróquia.
Felisberto assegurou-lhe o contrário. Padre Antônio estaria vivo. Esse colóquio entre o mameluco e o comerciante de Silves foi prontamente comunicado ao Padre.
Isso fez com que o missionário sonhasse com o retorno a sua paróquia de origem. A princípio, temeu que os moradores de Silves tivessem tomado conhecimento de sua vida “pecaminosa” no sítio furo da Sapucaia. Mas, após certificar-se de que ninguém em Silves sabia de sua verdadeira história, planejou um retorno honroso. Levaria consigo Clarinha.

CAPITULO XIII
Padre Antônio de Moraes deixou o sítio furo da Sapucaia em companhia de Felisberto, Clarinha e João Pimenta. O missionário planejou que Felisberto seria seu novo sacristão e Clarinha cuidaria de sua casa. “A princípio a Clarinha ficaria num sítio do rio Ramos, no Tucunduva, enquanto o senhor padre arranjasse casa e dispusesse tudo para a receber e agasalhar dignamente”.
Durante a viagem, Padre Antônio reencontra um velho conhecido de Silves, o capitão Fonseca, que ali estava negociando peixe salgado e cacau com uma velha tapuia, a tia Gertrudes, em companhia da qual provisoriamente ficaria Clarinha, conforme planejara o reverendo.
Agora comerciante, depois que perdera o emprego de coletor, o capitão Fonseca contou ao padre a história inverídica que o sacristão Macário havia contado aos moradores de Silves. O missionário chegou a rir da patranha do sacristão. Mas, para não incorrer em contradição, aproveitou essa história para montar a sua, também inverídica:
“Quando ouviu a história narrada pelo sacristão Macário, padre Antônio de Morais sentiu um vivo rubor subir-lhe ao rosto e afoguear-lhe o cérebro, perturbando-lhe a vista. Um grande embaraço o enleava, e não sabendo o que devia dizer, ouvia silencioso o capitão Mendes da Fonseca falar, numa voz que a custo, por fim, conseguira guardar a serenidade do principio, como se um vivo despeito o agitasse. Esse embaraço foi, porém, passageiro. Compreendeu de relance a gravidade da situação em que se achava, o perigo que corria em desmentir o astuto sacristão cuja inventiva o maravilhava, dando-lhe uma forte vontade de rir da história da cutia misteriosa. Era forçoso fazer o sacrifício da verdade ao plano que engendrara, cujo resultado dependia da completa ocultação da falta cometida e que devia ser sepultada em eterno silêncio. Quando o capitão acabou de falar, o padre, disfarçando com dificuldade a pungente emoção, sentindo a mentira queimar-lhe os lábios, na sensação física do remorso, explicou que o Macário se enganara, mas não mentira. E como se tivesse pressa de se ver livre daquele penoso sacrifício, selando com a mentira o mistério dos três meses passados à sombra das laranjeiras em flor no sítio do Sapucaia, acrescentou em palavras breves, que naturalmente o Macário o tivera por morto, mas que a verdade era outra. Levado pelos índios, desmaiado e malferido, fora entregue aos cuidados de um pajé que o curara com o suco de algumas plantas. Os selvagens o haviam poupado por lhe conhecerem o caráter sacerdotal pela batina e pelo chapéu de três bicos, e o tinham posto em liberdade, depois de algumas conversões que fizera. Que tendo passado três meses nas selvas, pregando o Evangelho, resolvera regressar à sede de sua paróquia, e que achando-se à margem do Abacaxis encontrara uma família de tapuios, avô, neto e neta, que lhe oferecera passagem até o Amazonas.”
Portanto, se o sacristão Macário fora salvo por uma misteriosa cutia que lhe roera as cordas com que os índios o amarraram, a salvação do Padre deu-se em virtude das vestimentas sacerdotais.
Ainda nesse capítulo, Inglês de Sousa faz uma crítica aos comerciantes, regatões, que exploram os pobres ribeirinhos do Amazonas, comprando-lhes produtos a preços muito baixos.
O capitão Fonseca colocou o padre a par da vida dos moradores da vila. E disse que seu regresso era necessário para moralizar aquele povoado em vias de perdição.
E falou ainda da notícia que foi publicada no periódico Diário do Grão-Pará, narrando as façanhas evangelizadoras do vigário de Silves, que fez com que o Padre Antônio de Moraes sonhasse com uma carreira eclesiástica gloriosa em Belém, cidade da qual fez lembrar-lhe o passado de rapazola recém-chegado na galeota do padrinho para tornar-se seminarista.
E assim fecha-se o capítulo final, tudo confluindo para Belém do Pará, cidade que, na origem, causou espanto ao jovem noviço Antônio de Moraes quando se dirigia ao seminário; e que agora, já padre famoso em virtude da fraudulenta notícia de catequizador de índios bravios, alimenta sua ambição eclesiástica, fazendo-lhe sonhar com recompensas episcopais e honrarias imperiais.

Prof. Welton Braga